madeira no brasil





Casa Xinguana. Fotografia de Milton Guran.

maio 2023
Origens do Uso da Madeira na Arquitetura

No território atualmente conhecido como Brasil, a madeira e materiais de origem vegetal foram predominantes na arquitetura dos povos indígenas autóctones. Segundo documentos reunidos por Derenji (in Montezuma (org.), 2002, p. 38), havia uma enorme variabilidade das aldeias encontradas, cuja forma dependia das tradições culturais de cada tribo.

Do mesmo modo, as habitações que compunham as aldeias também eram muito heterogêneas e, segundo Derenji (in Montezuma (org.), 2002, p. 41), poderiam ser classificadas de acordo com a forma de sua planta baixa e de sua cobertura, que poderia assumir formas variadas que vão da cúpula ogival à cobertura cônica e àquela em duas águas.

Abaixo, um recorte que mostra a variabilidade das construções infígenas: vista aérea de aldeia xavante, organizada de modo circular; casa xinguana e habitação yanomami, circular com pátio central.


Apesar das grandes diferenças espaciais entre as habitações produzidas por cada tribo indígena, há uma notável recorrência dos materiais utilizados em sua construção, em sua maioria de origem vegetal, sendo a estrutura constituída por peças de madeira roliça e a cobertura resolvida com folhagens ou sapé.


Arquitetura com Madeira no Brasil Colonial

Essa predominância na arquitetura indígena de soluções construtivas que utilizavam essencialmente madeiras e folhagens exerceu pouca influência nas construções realizadas pelos colonizadores, nas quais tendiam a ser reproduzidas técnicas tradicionais portuguesas, como a taipa de pilão, a taipa de mão e, em alguns casos, a alvenaria de pedra.



A taipa de pilão foi a alternativa encontrada diante da dificuldade de obtenção de pedra para a construção dos primeiros fortes em terras brasileiras, prática que chegou a ser defendida por engenheiros militares, para quem a taipa assimilava melhor eventuais projéteis, além de oferecer menor custo, maior rapidez de obra e melhor aproveitamento do material local (Gomes in Montezuma (org.), 2002, p. 70).

É importante notar que na taipa de pilão, assim como na de mão, a madeira é um material de construção imprescindível: no primeiro caso, constitui a fôrma dentro da qual a mistura de terra é apiloada, sendo removida após o término da obra; no segundo, compõe a trama sobre a qual o barro é colocado, não sendo visível na superfície acabada.

Assim, embora não tenha se perpetuado na aparência final dos primeiros fortes coloniais, a madeira foi indispensável à sua construção. O mesmo é verdade em relação às vilas coloniais, cujos lotes eram definidos “(...) pelos taipais − pranchões de madeira, entre os quais o barro era socado (...)” (Camargo, 2010, p. 2).


Arquitetura Moderna Brasileira: o Uso da Madeira

Ao longo do século XX, a madeira permaneceu como um material pouco difundido na arquitetura brasileira, sendo empregada principalmente em elementos construtivos coadjuvantes, como pisos, revestimentos e caixilharia.

Dentre edificações nas quais a madeira aparece com destaque, podemos identificar duas vertentes. De um lado, há empresas, em sua maioria fundadas por engenheiros, muitos dos quais de origem europeia, responsáveis pelo projeto e construção de estruturas em madeira de grande porte, mas sem projeto arquitetônico autoral. De outro, há a produção de arquitetos reconhecidos pela crítica, que muitas vezes não incorporava as tecnologias mais arrojadas que já eram disponíveis na indústria madeireira.


A Madeira nas Empresas de Engenharia

Talvez possamos reconhecer nas estruturas de madeira projetadas e construídas pela empresa Hauff as primeiras experiências com madeira nas quais sobressai uma linguagem moderna. Fundada em 1929 por Erwin Hauff, um engenheiro civil austríaco formado em Munique, a Hauff passou por três fases distintas em sua produção, sendo que a primeira delas, que vai do final dos anos 1920 até meados dos anos 1950, caracterizou-se pelo uso da madeira.

É importante assinalar que, assim como o próprio Hauff era imigrante formado na Alemanha, a mão de obra utilizada pela empresa era predominantemente de estrangeiros. A esse respeito, Fábio Sandro Cesar (1991, p. 20) comenta que o grau de especialização que muitos dos operários da Hauff possuía “(...) decorria, em muitos casos, de uma formação de nível técnico adquirida em seus países de origem”, o que os distinguia da mão de obra brasileira, pouco qualificada para o trabalho com carpintaria.



Apesar de as estruturas da Hauff e de experiências pontuais como o Pavilhão das Indústrias da Exposição Farroupilha demonstrarem a existência de tecnologia para a construção com madeira a partir de meados da década de 1920, a ênfase desse material em projetos de arquitetos modernos reconhecidos começou a delinear-se apenas a partir da década de 1940.

Além do papel fundamental da Hauff na ampliação dos horizontes técnicos do que seria possível executar em madeira no Brasil, outras empresas, muitas das quais fundadas por imigrantes europeus, tiveram um importante papel na produção de estruturas de madeira no país.

Para citar apenas algumas dessas empresas, podemos destacar a Tekno, a Paubrasil, a Esmara e a Callia & Callia.

Assim como a Tekno foi responsável pela execução de obras com grandes vãos já na década de 1950, a Paubrasil, fundada pelo Letonês Sneiders após um período de experiência na Hauff, também teve grande expressão no mercado, tendo construído estruturas com grandes vãos e chegando a completar mais de 620 mil metros quadrados até 1980. (Dias, 2020)

A história da Laminarco encontra paralelos com a da Hauff. Fundada pelo italiano Edmundo Callia, que estudou engenharia na Escola Politécnica, a empresa foi responsável pela construção de grandes vãos a partir da década de 1960, além de ser pioneira na fabricação de Estruturas de Madeira Lamelada Colada em São Paulo a partir de 1965.

No Rio Grande do Sul, outro engenheiro de origem europeia que havia passado pela Hauff, Fritz Hosch fundou a Esmara Estruturas de Madeira. Tendo conhecido a Madeira Lamelada Colada ao participar de uma feira em Hannover, Hosch viu grande potencial nessa tecnologia e iniciou a produção de MLC com pinho de araucária. A Esmara construiu dezenas de galpões em todo território nacional até a década de 1980.


A Madeira em Projetos de Arquitetura Autorais

Podemos identificar três principais tendências dentre projetos da arquitetura moderna brasileira nos quais a madeira desempenha papel de destaque. O primeiro grupo de projetos é marcado pela ênfase na rusticidade da madeira e é bem sintetizado no Park Hotel São Clemente, projetado entre 1944 e 1945 por Lucio Costa para abrigar possíveis compradores de um loteamento para casas de veraneio em Nova Friburgo, na serra carioca (fotos abaixo).

A segunda tendência que podemos observar é o uso da madeira em edificações pensadas para serem temporárias, a qual fica evidente nos edifícios em madeira construídos para viabilizar as obras de Brasília, sendo o primeiro deles o chamado Catetinho, projetado por Niemeyer em 1956 para abrigar o então presidente Juscelino Kubitscheck (foto abaixo, segunda linha à esquerda).



A terceira vertente de projetos que se delineia dentro da arquitetura moderna brasileira opta pelo uso da madeira a partir de uma lógica racional, segundo a qual as características desse material ofereceriam vantagens objetivas para responder a certos contextos. Essa abordagem sobressai na Vila Serra do Navio de Oswaldo Bratke, no trabalho de Severiano Porto e se cristaliza no sistema SR2 desenvolvido por Sergio Rodrigues e apresentado ao público pela primeira vez no protótipo montado no Museu de Arte Moderna do Rio em 1960 (foto acima, em vermelho).



Convergências entre Arquitetura e Engenharia

Um dos primeiros projetos assinados por um arquiteto de renome e executado por uma empresa bem estabelecida e focada na construção com madeira é o Clube de Regatas Jaó. Projetado pelo arquiteto Sérgio Bernardes e construído em Goiânia em 1962, as vigas de madeira lamelada colada de grandes dimensões, com vão livre de 20m em alguns pontos, foram fornecidas pela Laminarco e trazidas de São Paulo.



Embora o Clube Jaó já ensaiasse essa aproximação entre arquitetura, engenharia e indústria especializada, é a partir da Residência Hélio Olga, de 1987, que se inaugura uma nova etapa no uso da madeira na construção nacional.

Com arquitetura assinada por Marcos Acayaba e projeto estrutural desenvolvido pelo engenheiro Hélio Olga, a casa funde projeto estrutural e projeto arquitetônico de forma definitiva, sendo um indissociável do outro.



Também é importante reforçar que a casa foi concebida como um primeiro protótipo de um sistema construtivo adequado para a construção de casas em terrenos com alta declividade, a solução não foi utilizada. Embora esse sistema construtivo não tenha sido utilizado em outros projetos, o rigor técnico e o raciocínio industrial são premissas do projeto, cujos elementos em madeira são pré-fabricados.

O resultado final é uma estrutura muito esbelta que, segundo o arquiteto Marcos Acayaba, foi confundida por diversos colegas com uma estrutura em aço: “O cara olhava sem prestar muita atenção e pensava que a estrutura só podia ser metálica. Mas não é metálica, então fazer com madeira um desenho que só poderia ser pensado com estrutura metálica foi uma novidade” (Acayaba em Moraes-Alves, 2014, p. 171).


Madeira Lamelada Colada: Um novo Momento

Embora a Madeira Lamelada Colada já existisse no Brasil desde o início do século XX, seu uso era bastante pontual e concentrado em projetos liderados por engenheiros trabalhando nas empresas responsáveis pela execução da estrutura. Dentre os arquitetos, predominava o uso da madeira serrada mesmo em projetos pensados a partir da lógica da industrialização, como o sistema SR2 de Sergio Rodrigues ou a Residência Hélio Olga, com projeto arquitetônico de Marcos Acayaba e projeto estrutural de Hélio Olga.

É apenas nos anos 2000 que a Madeira Lamelada Colada, ou MLC, começa a difundir-se e a ser usada em projetos de arquitetura de escritórios renomados. O surgimento de empresas focadas na produção de elementos em MLC na Grande São Paulo certamente contribuiu para essa disseminação, merecendo destaque a própria Ita, que fez uma transição da madeira serrada para a madeira industrializada, a Rewood, fundada em 2008, e a Crosslam, fundada em 2009.

Essa tendência de mercado não teria a mesma relevância se a madeira engenheirada não possuísse qualidades técnicas extremamente atraentes. Seu desempenho estrutural, por exemplo, é notável, sendo que sua resistência normalizada pela densidade é similar à do aço e muito superior à do concreto.

Também é importante enfatizar que a madeira demanda pouca energia para sua produção, conforme demonstra o gráfico abaixo. Note-se que emissões de CO2 não podem ser automaticamente deduzidas do custo energético de um material: embora o custo energético por metro cúbico de concreto seja relativamente baixo, esse material tem uma pegada de carbono elevada devido à emissão gerada por processos químicos envolvidos em sua produção.

Além do contexto internacional e da busca por alternativas com menor impacto ambiental, a disseminação do uso da madeira na construção de estruturas está ligada ao fortalecimento de importantes centros de pesquisa dedicados à madeira e ao aprimoramento da norma brasileira, especialmente a partir da excelente revisão, concluída em 2023, da NBR 7190, norma ABNT que trata de Projetos de Estruturas de Madeira e que inclui informações detalhadas sobre madeira lamelada colada (MLC) e madeira lamelada colada cruzada (CLT).




autora

taís de moraes alves


referências
Camargo, M.J.. (2010) A madeira na arquitetura paulista: uma investigação. In: Madeira: primitivismo e inovação na arquitetura moderna do cone sul americano 1930-19700, Porto Alegre.

Cesar, S.F. (1991). As Estruturas Hauff de Madeira no Brasil. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.

Dias, A. (2020). A História das Estruturas de Madeira no Brasil. Carpinteria.

Montezuma, R. (org.) (2002). Arquitetura Brasil 500 Anos: Uma Invenção Recíproca, Volume 1. Recife: Universidade Federal de Pernambuco.

Moraes-Alves, T. (2020). Madeira na Arquitetura Moderna Brasileira. São Paulo.
fonte das imagens
Casa Xinguana. Milton Guran via http://programaclick.blogspot. com.br/2008/08/panorama-click-25-de-agosto.html Aldeia Xavante José Medeiros via http://img.socioambiental.org/v/ publico/pibmirim/como-vivem/habitacoes/XVF0018. jpg.html

Aldeia Xavante. José Medeiros via http://img.socioambiental.org/v/publico/pibmirim/como-vivem/habitacoes/XVF0018.jpg.html

Habitação Yanomami. http://agoras.typepad.fr/.a/6a00d8341ce44553ef0 147e1771533970b-pi

Casa Xinguana em construção. Milton Guran via http://varaldiverso.wordpress.com/2011/02/07/ exposicao-“casas-do-brasil-a-casa-xinguana”/

Igreja do Ó. http://www.trekearth.com/gallery/South_America/Brazil/Southeast/Minas_Gerais/Sabara/ photo1120297.html

Estruturas da Hauff. Via Cesar, 1991.

Park Hotel. Nelson Kon via Comas, C.E.D.. Arquitetura Moderna, Estilo Campestre. Hotel, Parque São Clemente. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 123.00, Vitruvius, ago. 2010. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.123/3513> em 02.10.2014

Catetinho. Via http://www.oscarniemeyer.com.br/obra/pro070

Protótipo de Casa Pré-Fabricada. Instituto Sergio Rodrigues.

Vista do Clube Jaó. Via Arquivo do Clube Jaó.

Residência Hélio Olga. Acervo do arquiteto Marcos Acayaba.






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